Ao ler um bom escritor pela primeira vez, as boas surpresas são esperadas, mas mesmo assim não deixam de ser interessantes, pois surpresas feitas por especialistas tendem sempre a ter um ingrediente raríssimo. É claro que, em alguns casos, mesmo um escritor aclamado pelo público e pela crítica pode receber um conceito ruim quando um leitor (desatento e inexperiente) planta os olhos no texto pela primeira vez. Foi isso que aconteceu comigo e Alice Munro, escritora canadense, vencedora do Nobel de Literatura em 2013.
O primeiro conto do livro, que dá nome a ele, “Ódio, Amizade, Namoro, Amor, Casamento” (Globo Livros), não me fisgou; a história não me envolveu, não gostei, pensei. Mas então eu vi os comentários da Juliana sobre Alice Munro e decidi tentar mais uma vez. E não me arrependi. E tenho a certeza que a minha primeira leitura foi ruim porque eu deveria estar no mundo da lua, preocupada, sei lá. Alguma coisa não me deixou envolver com o texto que, na segunda leitura, me provou ser maravilhoso, digno de uma escritora agraciada com um dos prêmios literários mais cobiçados do mundo, o Nobel.
A história do primeiro conto é simples, uma mulher, Johanna, tem o seu destino traçado por travessuras de crianças e, com o pensamento de que cedo ou tarde ela vai descobrir toda a confusão em sua vida, a história caminha para uma deliciosa surpresa.
O segundo conto chama-se “Ponte Flutuante” e mesmo sem uma divisão estrutural clara, fica evidente que o conto é dividido em 3 momentos distintos: um para cada personagem ser apresentado ao leitor e somente no final percebemos o motivo da história ser contada em tal formato, que colabora para entendermos também o título do conto.
“Mobília da Família” é o terceiro conto do livro. Narrado em primeira pessoa por uma garota, a princípio, e depois por uma mulher presa em questões familiares que revelam o passado e também colaboram para decisões futuras. Tudo gira em torno de Alfrida, a tia da narradora, que representa uma chave reveladora dos segredos da família. As cenas mais marcantes do conto são quando os familiares estão à mesa, saboreando um delicioso e farto jantar, juntamente com o cuidado de cada um em dizer certas coisas e evitar assuntos constrangedores.
O suicídio é o tema do quarto conto do livro, “Conforto”. Os personagens da história são muito complexos e interessantes e me fez imaginar que com eles, Alice Munro poderia ter escrito um maravilhoso romance. Os personagens do conto são como aqueles que não queremos abandonar. E também foi com esse conto que fiquei mais encantada com a narrativa de Munro, tão bela e corajosa.
A leitura de “Urtiga”, que se mostrou parecida com os outros – aquela familiaridade com o estilo do escritor que acontece naturalmente– informações diretas, secas e capazes de desenhar em poucos parágrafos grandes cenários e personagens. Porém, o ingrediente extra acontece pelo enlace dos fatos da vida da personagem e narradora com uma paixão da infância através, literalmente, da poderosa natureza.
E acredito que pela maravilha que foi o conto Urtiga, o seguinte, “Coluna e Viga”, não me agradou, até mesmo o título. Os personagens permaneceram para mim apenas como desenhos simples, sem profundidade, cores ou perspectivas. Em certo momento um dos personagens diz “Por que a gente é um transtorno”. Pergunta que fiz também ao final do conto…
Mas o próximo conto “O que é lembrado”, que lida com situações muito complexas de um relacionamento, eu li com muito gosto. O texto flui lindamente, diferente do conto anterior. E mais uma vez Alice Munro conseguiu mostrar bons personagens no pequeno espaço possível de um conto.
O penúltimo, “Queenie”, possui elementos comuns aos outros contos do livro, como a narração em primeira pessoa, poucos personagens, narrativa rápida e um tema de família. A garota que dá título ao conto é irmã da narradora, e foge de casa para viver uma história de amor. Tempos depois a narradora vai atrás dela, para conseguir um emprego na capital, mas também para descobrir como a querida irmã está. A surpresa mais uma vez fica reservada para o final e mesmo demonstrando ser um truque comum de Alice Munro, surpreende pelos sentimentos que atingem o leitor.
E o último conto, ah… o último conto! Apesar de lidar com um tema extremamente triste, o Alzheimer, cada linha do texto possui uma beleza ímpar que ora, parece ser pela própria história, ora pela beleza do próprio texto de Alice Munro. Ele chama-se “O urso atravessou a montanha” e entrou para a minha lista de melhores contos que já li na vida.
Ao ler um livro de contos é impossível ao final dele não tentarmos traçar uma linha que prenda todos como um único objeto. Por ter sido minha primeira leitura de Alice Munro, o que percebi de comum em todos os contos é o tema familiar, do cotidiano, e personagens principais mulheres. Gostei muito também dos cenários canadenses construídos pela forma da narrativa de Munro. Mas, claro, o que há de mais belo em seus textos é o poder das histórias que, através da simplicidade cotidiana, revelam um mundo cheio de nuances, cores, mistérios, sentimentos e tudo que envolve o ato de viver e de tomar decisões. A minha agora é ler mais contos de Alice Munro.